
Um novo surto de coqueluche volta a rondar o Brasil e o mundo. Na década de 1970, eram frequentes os casos da doença, também conhecida como tosse comprida. Mas com o início da imunização com a vacina tríplice bacteriana (que previne a difteria, o tétano e a coqueluche), a infecção havia praticamente desaparecido.
Agora, os casos de coqueluche – que causa crises de tosse seca e pode ser confundida com um resfriado –, voltaram a subir e preocupam as autoridades sanitárias, que associam essa situação à baixa cobertura vacinal nos últimos anos.
Segundo dados Painel Epidemiológico Coqueluche1, do Ministério da Saúde, 217 casos confirmados de coqueluche no País, em 2023, sendo os estados de Pernambuco e São Paulo com maior número de casos e os bebês abaixo de 1 anos os mais afetados. Em 2024, até o dia 4 de julho, foram registrados 339 casos confirmados – a grande maioria no estado de SP. Neste ano, a doença tem impactado principalmente crianças de 10 a 14 anos.
Além disso, a doença já deixou uma vítima: um bebê de 6 meses morreu no Paraná. Essa foi a primeira morte no País depois de três anos sem óbitos pela coqueluche.
Diante dessa situação preocupante, o Ministério da Saúde publicou uma nota técnica1 em que recomenda, em caráter excepcional, intensificar a vacinação contra a doença e solicita que estados e municípios fortaleçam ações de vigilância epidemiológica para casos de coqueluche.
Mas quais são os sintomas dessa doença? Como acontece a transmissão? Qual é a melhor forma de prevenção? O Guia da Farmácia reuniu essas informações e, a seguir, traz tudo sobre a coqueluche. Confira.
Cenário global
Não apenas no Brasil, mas a coqueluche acende novamente um alerta em outras regiões do mundo. O Boletim Epidemiológico do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC) informa o aumento de casos da infecção na União Europeia, com 25.130 casos de janeiro a dezembro de 2023. Neste ano, mais 32 mil casos foram notificados no primeiro trimestre. 2
A doença tem afetado diferentes grupos etários, com maior incidência em menores de 1 ano de idade, seguidos pelo grupo de 5 a 9 e de 1 a 4 anos, com variações dependendo do país. O Boletim do ECDC aponta, ainda, alta de coqueluche em outros países da Europa (Montenegro, Sérvia), Ásia (China, Israel), Oceania (Austrália) e Américas (Bolívia, Canadá e Brasil).
O Centro de Prevenção e Controle de Doenças da China (CCDC), por sua vez, também registou 32.380 casos e 13 óbitos por coqueluche até fevereiro de 2024. 2
Coqueluche no Brasil
No Brasil, o último pico epidêmico de coqueluche ocorreu em 2014, quando foram confirmados 8.620 casos, segundo dados do Painel Epidemiológico Coqueluche, do Ministério da Saúde.
Casos confirmados de coqueluche no Brasil
Ano | Total |
2014 | 8.620 |
2015 | 3.108 |
2016 | 1.333 |
2017 | 1.900 |
2018 | 2.169 |
2019 | 1.592 |
2020 | 228 |
2021 | 159 |
2022 | 245 |
2023 | 217 |
2024* | 339 |
*Dados até 4/7/2024 / Fonte: Painel Epidemiológico Coqueluche – Ministério da Saúde
De 2015 a 2019, o número de casos confirmados caiu de 3.108 para 1.562. A partir de 2020, ocorreu uma redução considerável. Uma nota técnica do Ministério da Saúde publicada neste ano2 aponta que a queda acentuada de casos de coqueluche está temporalmente associada à pandemia de covid-19 e às medidas de isolamento social.
Segundo o documento, a partir de 2023, o aumento de casos registrados em outros países, apontou que, em pouco tempo, algo semelhante poderá ocorrer no Brasil que, desde 2016, registra diminuição da cobertura vacinal em menores de 1 ano de vida.

Fonte: Painel Epidemiológico Coqueluche – Ministério da Saúde
De fato, os índices de coqueluche permaneceram baixos até o início de abril de 2024 (semana epidemiológica 14), quando haviam sido confirmados apenas 31 casos2. Mas, desde então, os casos começaram a disparar.
Para se ter uma ideia, em 2023, a cidade de cidade de São Paulo registrou somente 14 casos da doença. De janeiro a maio de 2024, foram 32 casos na capital, porém, em junho deste ano, saltou para 105.3
Em Minas Gerais, no primeiro semestre, os casos de coqueluche já superaram todo o ano de 2023. O estado registrou 89 casos suspeitos e 15 confirmados para a coqueluche em 2024. 4
No Distrito Federal (DF), até 30 de julho de 2024, foram notificados 128 casos de coqueluche, sendo que em todo o ano de 2023 foram apenas 4 casos confirmados, segundo dados da Secretaria de Saúde do DF. 5
Já no Paraná, um bebê de 6 meses foi vítima da coqueluche. Essa é a primeira morte no país depois de três anos sem óbitos pela doença, de acordo com Ministério de Saúde.6
O que é a coqueluche?
A coqueluche é uma doença infecciosa respiratória, altamente transmissível, que provoca crises de tosse seca e pode atingir traqueia e brônquios. 7
“A coqueluche é causada pela bactéria Bordetella Pertussis e é especialmente perigosa para bebês que ainda não foram completamente vacinados”, explica o professor de Pediatria do Centro Universitário São Camilo, Marcelo Iampolski.
A doença pode apresentar complicações graves e, se não tratada de maneira adequada, pode ser fatal, principalmente em bebês de até 6 meses de vida, que ainda não completaram o esquema vacinal primário contra a doença e, portanto, são mais propensos a apresentar as formas graves da doença.
Quais são os sintomas da coqueluche?
Os sintomas variam de acordo com a idade e o estado imunológico do paciente. O período de incubação, ou seja, o tempo que os sintomas começam a aparecer desde o momento da infecção, é de 5 a 10 dias, em média.7
A infecção pode durar de 6 a 10 semanas e evolui em três fases sucessivas: a catarral, a paroxística e a convalescente.
Fase catarral
No primeiro nível, a coqueluche apresentas sintomas leves, que podem ser confundidos com um resfriado, como:
- febre baixa;
- coriza;
- mal-estar;
- tosse seca.
Fase paroxística
- Nessa fase aguda, a tosse passa de leve e seca para severa e descontrolada;
- Os acessos de tosse são finalizados por inspiração forçada e prolongada;
- A crise de tosse pode ser tão intensa que dificulta a respiração;
- Vômitos;
- Cansaço extremo.
Fase de convalescença
- Os acessos de tosse diminuem em frequência e intensidade e dão lugar à tosse comum.
De modo geral, adultos e adolescentes apresentam sintomas mais leves em relação às crianças.
“É muito importante que, com o aparecimento dos primeiros sintomas, se busque uma unidade de pronto atendimento, além de sempre manter o calendário vacinal em dia”, diz o infectologista da Santa Casa de Bragança Paulista, Dr. Fellipe Godoy.
Como a coqueluche é transmitida?
A transmissão ocorre pelo contato direto com uma pessoa contaminada por meio de gotículas eliminadas ao falar, tossir ou espirrar.
A doença é altamente transmissível. Estima-se que 1 pessoa com coqueluche pode infectar de 12 a 17 outras pessoas. 2
Como é feito o diagnóstico?
De acordo com o Ministério da Saúde, pode ser difícil fazer o diagnóstico correto nos estágios iniciais da coqueluche, porque os sintomas são semelhantes aos de um resfriado ou de outras doenças respiratórias. 7
Embora a tosse seca seja um forte indício da doença, o médico pode pedir coleta de material de nasofaringe e PCR em tempo real. Também pode solicitar exames complementares, como raio-x de tórax e hemograma.
Qual é o tratamento para a coqueluche?
O tratamento da coqueluche é feito com antibióticos, conforme prescrição médica, além de cuidados de suporte como hidratação e oxigênio, quando necessário.
O isolamento da pessoa infectada também é fundamental para evitar a transmissão da doença, segundo a professora da Universidade Tiradentes (UNIT), Dra. Fabrizia Tavares.
Quais são as possíveis complicações da doença?
Normalmente, as pessoas conseguem se recuperar da coqueluche sem sequelas. Entretanto, as formas mais graves da doença podem gerar quadros mais severos, como hérnias abdominais.
Segundo o Ministério da Saúde7, em crianças, principalmente nas menores de 6 meses, as complicações são mais graves e podem incluir:
- infecções de ouvido;
- pneumonia;
- parada respiratória;
- desidratação;
- convulsão;
- lesão cerebral;
- morte.
Como prevenir a coqueluche?
Os principais fatores de risco para coqueluche têm relação direta com a falta de vacinação. Por isso, a imunização é a principal forma de prevenção, de acordo com especialistas.
A Dra. Marcela Rodrigues, diretora da Salus Imunizações, reforça a necessidade de vacinação de crianças menores de 1 ano, além da imunização de gestantes e puérperas e de profissionais da área da saúde.
Como funciona o esquema vacinal?
O esquema vacinal primário é composto por:
- três doses (aos 2 meses, aos 4 meses e aos 6 meses), da vacina pentavalente, que protege contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e Haemophilus influenzae tipo b;
- doses de reforço com a vacina DTP, conhecida como tríplice bacteriana (contra difteria, tétano e coqueluche).
Segundo a Dra. Marcela Rodrigues, para as gestantes, como estratégia de imunização passiva de recém-nascidos, recomenda-se, desde 2014, uma dose da vacina dTpa (vacina tríplice bacteriano acelular tipo adulto) por gestação, a partir da 20ª semana de gravidez. Para aquelas não foram imunizadas durante a gravidez, a orientação é administrar uma dose da dTpa no puerpério, o mais precocemente possível e até 45 dias pós-parto.
Em virtude dos recentes surtos de coqueluche, o Ministério da Saúde recomenda em nota técnica (1) ampliar e intensificar a vacinação contra a doença no Brasil, em caráter excepcional.
Nesse cenário, amplia a indicação da vacina dTpa para trabalhadores da saúde que atuam em serviços de saúde públicos e privados, ambulatorial e hospitalar, com atendimento em ginecologia e obstetrícia; parto e pós-parto imediato, incluindo casas de parto; UTIs e UCIs, berçários e pediatria.
Ainda de acordo com a nota técnica, devem ser imunizados contra a coqueluche doulas e profissionais que atuam em berçários e creches onde há atendimento de crianças com até 4 anos. A administração da dose nesse público deve considerar o histórico vacinal contra difteria e tétano (dT). Pessoas com o esquema vacinal completo devem receber uma dose da dTpa, mesmo que a última imunização tenha ocorrido há menos de dez anos. Já os que têm menos de três doses administradas devem receber uma dose de dTpa e completar o esquema com uma ou duas doses de dT.
Além disso, o Ministério da Saúde orienta que estados e municípios adotem estratégias para atualização do esquema vacinal dos grupos prioritários: crianças e adolescentes em campanhas de multivacinação; e adultos e idosos em campanhas de vacinação contra influenza.
Conclusão
A coqueluche voltou a ser uma preocupação global e, por isso, é fundamental manter a vacinação em dia para controlar a propagação dessa doença potencialmente perigosa, segundo a Dra. Marcela Rodrigues, da Salus Imunizações.
Além da imunização, ela orienta alguns cuidados adicionais para ajudar na prevenção:
- cobrir a boca ao tossir e espirrar;
- lavar as mãos regularmente;
- usar máscaras em casos suspeitos e em situações de risco.
Neste momento de atenção à coqueluche, também vale adotar hábitos de vida saudáveis, como alimentação equilibrada e prática regular de atividade física, que ajudam a fortalecer o sistema imunológico.
Referências
1 Painel Epidemiológico Coqueluche – Ministério da Saúde
- Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYTU3MmI5ZjItYmMyNC00ZTVjLTk2ZTItNWZlMjUxNDQwZmVlIiwidCI6IjlhNTU0YWQzLWI1MmItNDg2Mi1hMzZmLTg0ZDg5MWU1YzcwNSJ9
- Acesso em: 30/07/2024.
2 Nota Técnica Conjunta Nº 70/2024-DPNI/SVSA/MS
- Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/notas-tecnicas/2024/nota-tecnica-conjunta-no-70-2024-dpni-svsa-ms.pdf
- Acesso em: 29/07/2024.
3 “Cidade de SP registra 165 casos de coqueluche no ano; até junho, eram 105”
- Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/07/12/cidade-de-sp-registra-165-casos-de-coqueluche-no-ano-ate-junho-eram-105.ghtml
- Acesso em: 30/07/2024.
4 “Casos de coqueluche de 2024 já superam números do ano passado em MG”
- Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/minas-gerais/noticia/2024/07/01/casos-de-coqueluche-de-2024-ja-superam-numeros-do-ano-passado-em-mg.ghtml
- Acesso em: 30/07/2024.
5 “Alerta: casos confirmados de coqueluche no DF quintuplicam em 1 mês”
- Disponível em: https://www.metropoles.com/distrito-federal/alerta-casos-confirmados-de-coqueluche-no-df-quintuplicam-em-1-mes
- Acesso em: 30/07/2024.
6 “Brasil registra morte por coqueluche após três anos sem óbitos; vítima é bebê do Paraná”
- Disponível em: https://www.estadao.com.br/saude/brasil-registra-morte-por-coqueluche-apos-tres-anos-sem-obitos-vitima-e-bebe-do-parana-nprm/?_
- Acesso em: 30/07/2024.
7 Ministério da Saúde – Coqueluche
- Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/c/coqueluche
- Acesso em: 30/07/2024.
Fotos: Shutterstock
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