
Avaliado em US$ 19,7 bilhões, em 2020, o mercado vegano deve ultrapassar US$ 36,3 bilhões até 2030, segundo estudo da Allied Market Research. No Brasil, na última década, houve um aumento de 500% no número de empresas abertas com o nome “vegano”, segundo um levantamento do Ministério da Economia.
O mercado nacional ainda não dispõe de muitos números, mas há indícios e práticas que indicam a relevância que esse mercado vegano vem ganhando tanto em alimentos, como em outros produtos, com destaque para higiene e beleza. Afinal, o veganismo não é apenas uma dieta, mas um estilo de vida que prega o respeito e a não exploração de animais. Os veganos fazem suas escolhas sempre pensando nesse propósito.
Para entender esse mercado, a reportagem do Guia da Farmácia acompanhou a 11ª edição da VegFest 2024, realizada na capital paulista de 5 a 8 de dezembro, que reuniu especialistas, empresas e ativistas em palestras, exposição de produtos e experiências. A Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) organiza o evento, que em 2024 chegou à 11ª edição, com 110 expositores e 170 palestras, para um público de veganos e não veganos. “É uma feira inclusiva. Todo mundo pode participar”, afirmou a diretora de comunicação da SVB, Larissa Maluf.

A 11ª edição da VegFest, organizada pela SVB, atraiu 7.500 visitantes em 2024. Crédito: SVB
Em 2012, 8% da população brasileira se declarava vegetariana. “Em 2018, uma pesquisa do Ibope inteligência, na época, dizia que 14% da população, ou cerca de 30 milhões de pessoas, se declarava vegetariana. Não temos um dado específico para veganos, mas sabemos que entre os vegetarianos, há uma pequena porcentagem de veganos”, explica Larissa.
Alicerces para o crescimento
Apesar de ser um nicho em um país como o Brasil, que valoriza muito o consumo de carne, estima-se um aumento significativo no número de veganos nos últimos anos, o que está relacionado ao maior acesso à informação, com artistas e celebridades que se tornam veganos e divulgam seu estilo de vida nas redes sociais, além da recomendação de profissionais da saúde, na visão de Larissa.
“Na SVB, temos um programa que já capacitou mais de 6 mil profissionais de saúde sobre veganismo. Tanto a faculdade de nutrição quanto a de medicina não têm uma disciplina sobre como prescrever uma dieta vegana. Por causa dessa falta de informação, muitos preferem não estimular isso, por mais que os pacientes tenham vontade de se tornar veganos ou vegetarianos”, disse Larissa. “Mas quando médicos ou nutricionistas recomendam, as pessoas se sentem seguras para aderir”.
De acordo com dados do IPEC, em 2021, 46% dos brasileiros deixaram de comer carne pelo menos uma vez na semana por vontade própria. Presente em diversos países, a campanha da Segunda Sem Carne foi lançada no Brasil pela SVB em 2009. “Para muitas pessoas, como eu, a Segunda sem Carne é como se fosse um ponto de partida para se tornar vegano”, afirma Larissa. A SBV contabiliza que um dia sem carne, ovos e leite gera uma economia de 3.500 litros de água, 22 m² de terras e 8 quilos de grãos; além disso, 10 quilos de CO2 deixam de ser emitidos na atmosfera.
Dietas plant-based em expansão
A pesquisa “Plant-based em foco 2024” também indica que 89% dos nutricionistas incentivam a diminuição ou eliminação de alimentos de origem animal da dieta quando a escolha é do paciente. O estudo, apresentado durante o VegFest, foi feito pela Saudabe em 2024 em parceria com a SVB para entender como nutricionistas de diversas especialidades (vegana, vegetariana, funcional, esportiva) estão indicando a alimentação plant-based (à base de plantas), considerando alimentos naturais e processados que não são de origem animal.
“Esta foi a segunda edição da pesquisa e percebemos alguns avanços. No ano passado, a indicação de dietas plant-based pelas nutricionistas estava muito atrelada à funcionalidade e ao benefício do alimento. Neste ano, o que se destacou é o fato desse tipo de alimento impactar ou não meio ambiente”, disse Bruna Pavão, CEO da Saudabe.
Ela conta que nutricionistas também começaram a indicar mais as dietas plant-based, por conta dos benefícios atrelados à saúde para quem tem diabetes, doenças cardiovasculares e câncer, por exemplo, e apoiadas em artigos científicos que comprovam a eficácia desse tipo de alimentação. “Podemos resumir essa pesquisa em uma palavra: flexitarianismo, que é a busca pela redução alimentos de origem animal na dieta do paciente e não a eliminação completa”, explicou Bruna.
Veganismo ganha força no País
A realização da VegFest pode ser entendida como um termômetro desse mercado. Camila Cortinez, fundadora e diretora geral da Te Protejo, uma organização sem fins lucrativos com sede no Chile e atuação na América Latina que faz a certificação de marcas de cosméticos livres de testes em animais, participa o evento desde 2017.
“Era um evento bem menor e só participavam veganos bastante envolvidos nesse movimento, mas agora há muitas pessoas interessadas em conhecer e aprender sobre o veganismo. A indústria também tem crescido nessa área, porque tem mais acesso à tecnologia para produzir produtos veganos mais acessíveis, e isso desperta o interesse das pessoas”, resumiu Camila.
“Nos últimos quatro anos, o veganismo ganhou uma força estrondosa. Podemos ver pela feira deste ano, que desde o primeiro dia estava lotada. Já participamos de edições anteriores e não tinha essa quantidade de pessoas”, disse Carina Zampini, fundadora e farmacêutica da Vegan Pharma, farmácia de manipulação que produz medicamentos, suplementos e dermocosméticos veganos.
Destaque vegano na farmácia
Ela conta que os produtos com maior demanda na farmácia dela são cosméticos, vitaminas e minerais veganos. “Temos, por exemplo, a vitamina B12 em cápsula de celulose vegetal, em vez da cápsula de gelatina de origem animal. Não tem diferença no preço e tanto um vegano como um não vegano podem utilizar. Temos muitos pacientes que não são veganos e que compram produtos veganos por conta de alergias alimentares e preocupação com o meio ambiente. É uma crescente muito forte em suplementos alimentares”, afirmou Carina.
Na opinião da fundadora da Vegan Pharma, a pandemia da covid foi uma virada de chave e trouxe maior consciência para o cuidado com a saúde, despertando para o veganismo. Outro fator para esse crescimento é o fato de as pessoas adoecerem cada vez mais de diversas enfermidades.

Clélia Angelon, CEO da Surya Brasil, participou da VegFest 2024. Crédito: Divulgação
Esta é a mesma percepção de Clélia Angelon, CEO da Surya Brasil. “Hoje as pessoas estão tão inflamadas que elas têm reação a qualquer coisa que passam no corpo”, disse a executiva, exemplificando que as colorações de cabelo convencionais contêm agentes cancerígenos e alergênicos. “São 9 mil ingredientes que nós na Surya jamais vamos utilizar, como EDTA, sulfato lauril e etalonamina”, frisou.
A Surya foi fundada por Clélia em 1995, quando ela era vegetariana. Em 2006, a empresária se tornou vegana e decidiu imprimir essa filosofia nos negócios; desde então todos os produtos são veganos. A empresa, que exporta seus produtos para mais de 40 países, também criou o Instituto Clélia Angelon, que promove ações para proteger e apoiar os direitos dos animais, direitos humanos e preservação do meio ambiente. “O veganismo está no nosso DNA e por isso é importante estar em um evento como a VegFest”, disse Clélia. “Estamos no veganismo de maneira completa, e não porque agora é uma tendência ou moda. Nós somos veganos e respeitamos qualquer ser vivo”, completou.

Nova linha Terapia Capilar Ayurvédica, da Surya. Crédito: Divulgação
No evento, a Surya destacou a nova linha Terapia Capilar Ayurvédica com vários produtos – como xampu, condicionador, finalizador etc. –, que combinam ingredientes indianos e brasileiros, como o guaraná, baru e açaí. Um dos destaques é o Henna Force, que combate a queda e fortalece os fios. “A Henna Force é natural e orgânica, não contém nenhum conservante. É elaborada com brahmi, ashwagandha e guduchi, que são plantas indianas que ajudam no crescimento do cabelo, além do baru”, explicou Clélia. Outra novidade é Henna Clean, indicada para eliminação da caspa, controle da oleosidade e alívio de irritação do couro cabeludo, que na primeira aplicação elimina 88% da descamação, segundo testes realizados pela empresa.
Preço e qualidade
Nessa evolução, as empresas ainda encontram desafios na produção de produtos veganos. Na visão de Carina, da Vegan Pharma, a maior dificuldade é ter acesso a fornecedores de insumos veganos que comprovem a procedência dos ativos com transparência, por meio de laudos e certificados e confirmando se não foram feitos testes em animais. “Mas isso está melhorando aos poucos”, disse.
Bruna Pavão, da Saudabe, lembra que os custos de insumos e os investimentos em pesquisa e desenvolvimento, inovação e distribuição no Brasil ainda são elevados.
Mesmo assim, a alta na demanda e a entrada de grandes indústrias tradicionais nesse nicho ajudaram a diminuir os preços; a qualidade e o sabor também tiveram uma melhora significativa na última década.
“Há alguns anos, um creme dental vegano custava na faixa de R$ 35,00 e hoje esse mesmo produto custa R$ 14,00”, exemplifica Carina, da Vegan Pharma. “Ainda não é um valor que pode ser comparado com os das grandes indústrias tradicionais de higiene, mas evoluiu muito”.
“Na área de cosméticos, há produtos veganos mais econômicos e ingredientes de menos qualidade e que não são orgânicos. É como no supermercado, você encontra produtos mais baratos e que não tem muita qualidade, mas o consumidor sabe o que está comprando. No caso de maquiagem, por exemplo, há produtos de alta qualidade”, disse Camila. Ela conta que a Te Protejo tem uma lista de empresas no Brasil com certificação cruelty free, em que constam desde produtos mais baratos até os de qualidade superior.
O mercado nacional ainda não pode ser comparado à Europa e Estados Unidos, onde o consumidor encontra opções veganas nas prateleiras com preços acessíveis. “O Brasil espelha, com alguns anos de diferença, o que a gente vê fora. Então a expectativa é que daqui cinco anos chegaremos no que a Europa ou Estados Unidos têm hoje. Nossa visão é sempre positiva, porque as empresas estão observando esse nicho de mercado e o aumento da demanda”, afirmou Larissa, da SVB.
“A tendência é o veganismo aumentar porque existe um interesse mundial em relação a mudança climática e também uma maior uma consciência de não consumir animal que foi explorado”, disse Clélia, da Surya. “No mundo inteiro, vemos empresas grandes investindo no veganismo, mas não adianta ser vegano se não for natural e usar ingredientes tóxicos que prejudicam os animais e contaminam as águas. Acredito que o veganismo tem de estar fortemente ligado ao natural e ao orgânico”, afirma.
Crescimento da indústria de cosméticos vegana
O veganismo está muito associado a alimentação, mas outros segmentos têm se destacado, como é o caso de higiene e beleza. “A cosmética vegana cresceu bastante e acredito que o movimento vegano também está impulsionando isso, porque para muitas pessoas é mais fácil trocar um xampu tradicional por um vegano do que parar de comer carne. As organizações estão percebendo isso e investindo em cosméticos veganos e produtos de higiene, como xampu e creme dental, que tem crescido muito nos últimos dois anos”, afirma Camila, da Te Protejo.
Apoio ao “cruelty free”
Na visão dos entrevistados ouvidos pela reportagem, a área de cosméticos também avançou por conta da pressão do consumidor e de mudanças na legislação. Segundo Larissa, da SVB, um marco no Brasil nesse sentido foi o banimento de testes e pesquisas em animais no desenvolvimento de cosméticos e perfumes após o caso do Instituto Royal. Em 2013, cães e coelhos usados em pesquisas foram retirados por ativistas e moradores de São Roque (SP) de uma das sedes do instituto, que depois fechou as portas.
“A indústria de cosméticos conseguiu se adaptar, porque diferente de medicamentos, muitas vezes são considerados produtos supérfluos. Então a sociedade não aceitou testar um batom ou rímel em animais e começou a cobrar isso, o que fez com que a indústria de cosméticos começasse a buscar alternativas” afirmou a gerente de projetos do Fórum Animal, Karynn Vieira, também presente na VegFest. Ela explicou que, nos testes, os animais são expostos a substâncias que causam sofrimento, além de ficarem presos em gaiolas, por exemplo.
“Hoje, a legislação no Brasil tem uma resolução normativa que proíbe os testes em animais para cosméticos”, afirmou Karynn. Trata-se da Resolução Normativa 58 do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que, em 2023, publicou a resolução que proíbe a realização de testes em animais vertebrados, como cachorros e ratos, em pesquisa, desenvolvimento e controle de cosméticos, produtos de higiene pessoal e perfumes.
“Desde o século 19, a indústria faz testes em animais. Agora começa uma transição para outros métodos alternativos e seguros. A indústria de cosméticos avançou nesse sentido e passou a fazer testes in vitro para, por exemplo, verificar a toxicidade de substâncias e corrosão na pele”, disse Karynn.
Segundo ela, deixar de fazer testes em animais implica em investimentos em equipamentos e capacitação de pessoal, especialmente dos pesquisadores, pois a maioria está habituada ao modelo tradicional. “Trocar esse método exige certo investimento e esforço, mesmo que a longo prazo seja mais vantajoso economicamente”.
Camila, da Te Protejo, conta que muitas empresas começaram com a certificação cruelty free e agora buscam a certificação vegana, porque as marcas de higiene e beleza estão interessadas em comunicar esses valores aos seus consumidores. A certificação é uma maneira de mostrarem que fazem um trabalho sério nesse sentido. Camila explica que um produto cruelty free significa que não foi testado em animais, mas não necessariamente é vegano. “O ideal é ter as duas certificações”, afirmou.
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